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Carlos Eduardo

2019

Foto: Reprodução do arquivo pessoal da família.

CADU
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A última vez que o segurança Eduardo Aparecido do Nascimento conversou com seu filho foi no dia 24 de dezembro de 2019. "Ele me ligou desejando um feliz Natal", ele conta. Eduardo jamais havia pensando que aquela seria a última conversa que teria com o filho antes do seu desaparecimento. Naquele telefonema, Eduardo combinou com o filho de passarem a virada do ano juntos em uma chácara. Três dias depois da conversa, Carlos Eduardo dos Santos Nascimento, apelidado carinhosamente por amigos e familiares de Cadu,  desapareceu. "Acabou o final de ano de todo mundo, todo mundo ficou na correria procurando ele no ano novo. Estamos até agora procurando ele e não temos notícia de nada".

​Segundo relatos de testemunhas, no dia 27 de dezembro de 2019, Cadu estava em uma celebração em um bar com mais quatro amigos no bairro chamado Jardim São Camilo, em Jundiaí, quando policiais militares chegaram ao local e os abordaram. Após revistarem os rapazes, Cadu, o único negro do grupo, foi algemado e levado sozinho na viatura pelos policiais. Desde então, seu o paradeiro é desconhecido.

Os familiares começaram as buscas de prontidão. Passaram dias procurando em matas, represas, locais públicos, qualquer lugar onde o garoto pudesse estar. "À princípio a polícia não foi a lugar nenhum", relata Eduardo. O boletim de ocorrência foi feito após as buscas iniciais dos familiares, no dia 28 de dezembro, mas somente no dia 2 de janeiro as investigações da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) tiveram início e o delegado responsável abriu um Inquérito para apurar os fatos.

Eduardo conta que no dia, testemunhas relataram que os policiais que haviam levado seu filho pertenciam ao 49º Batalhão da Polícia Militar do Interior. "Cheguei lá conversei com um policial, ele disse para mim que não teve abordagem nenhuma nesse horário e nesse dia no Jardim São Camilo, que não tinha passado nada pelo rádio referente a essa abordagem. Nós começamos a ficar preocupados, porque todo mundo falou que tinham pegado ele e de repente os caras falam que não teve abordagem nenhuma".

Quando o caso começou a ganhar repercussão, programas como o Cidade Alerta começaram a noticiar o nome dos policiais que patrulharam o bairro no dia do desaparecimento: o sargento Anderson Torres, o soldado Julio Cesar de Lima e o soldado Denilson Lucas Diniz. “No quarto dia a mãe dele resolveu procurar a imprensa, foi onde apareceu que realmente os policiais haviam estado no local, que haviam feito a abordagem”. Em depoimento, no entanto, os policiais negaram ter abordado ou visto Cadu.

O caso passou a ser investigado pela Corregedoria da Polícia Militar e a Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo e, assim como a família de Felipe Damasceno, a família de Cadu se queixa por não receber informações suficientes. “A gente não recebeu atualização nenhuma, tudo que é dito é que está sob sigilo da polícia militar, que a polícia militar não passa informações, e assim vai. É assim que funcionam as coisas. A gente tá de braços cruzados, vai fazer um ano e vai continuar desse jeito. Logo logo, da maneira que vai indo, ele arquivam o caso por falta de provas, por falta de testemunhas, e é mais um desaparecido que some, que ninguém sabe o aconteceu”.

 

 

O advogado explica que indício de autoria é quando há indício de quem é o autor de determinado delito. Já os indícios de materialidade seriam os rastros do crime. No caso de Carlos Eduardo, há indícios de provável autoria (a equipe policial), mas não de materialidade. “Até então não foi encontrado nenhum corpo, nem alguma coisa que pudesse comprovar, por exemplo, uma das hipóteses: que Carlos Eduardo teria sido morto”. Por isso, a prova testemunhal é fundamental. Se não tem nenhum tipo de prova, e se de repente você consegue um determinado número de pessoas que realmente viu, daí você consegue realmente pelo menos criar os indícios de autoria e de materialidade”.

Isso não significa que, caso as testemunhas colaborassem para a versão de que os policias teriam levado Cadu, os suspeitos seriam condenados. “Quando os testemunhos são coerentes, se encaixam, aí você tem pelo menos a justa causa para prosseguir com processo penal. Se os suspeitos forem condenados ao final ou forem absolvidos por falta de prova, pelo menos os testemunhos seriam importantes para que se iniciasse o processo penal, para que se denunciasse e pudesse fazer uma apuração melhor”.

No caso do Carlos Eduardo, as principai testemunhas se negaram a depor. “As testemunhas que estavam com ele morrem de medo da polícia”, conta o pai de Cadu. ”Se a gente chegar neles e conversar, ou outra pessoa tocar no assunto, eles até falam. Mas se falar “vamos na delegacia”, eles falam “não, na delegacia eu não vou não, esses polícia são muito ruim, eles vão querer se vingar da gente”.

Segundo Wesley, isso dificulta o processo de investigação do caso do Cadu. “Quando as pessoas se negam a falar por conta de pressão ou medo de ameaça, realmente fica difícil, porque a única coisa que tem são essas pessoas, são essas testemunhas que presenciaram, mas se elas não falarem os indícios mínimos para prosseguir com uma ação penal”.

Segundo Eduardo, no dia 4 de janeiro uma linha de celular foi habilitada no nome de Carlos Eduardo em São José dos Campos. ”Essa linha ficou acessível durante três meses, nós levamos para a DIG, que também foi investigar, aí o telefone foi desativado”. Em maio, um auxílio emergencial também foi sacado no nome de Cadu em São José dos Campos. “A DIG foi até São José dos Campos, trouxe a pessoa para cá, colheu o testemunho e a pessoa disse que desconhece esse fato, que ela não mexeu com auxílio emergencial, que não fez nada e também não tem esse número de telefone”.

Até agora essas pistas são vagas e não resultaram em algo concreto. “A Caixa Econômica disse que para a gente tentar fazer alguma coisa precisa entrar com pedido judicial, porque é uma quebra de sigilo bancário. A gente quer saber agora para poder ir até o local e ver se o meu filho está lá, ou se de repente estão usando os documentos do meu filho”.

Eduardo conta que, no dia do desaparecimento, Cadu não estava carregando seus documentos. Nenhum pertence de Cadu foi encontrado nas investigações. “Depois das cinco horas da tarde, quando ele foi abordado, o chip do celular dele não deu mais sinal. Disseram que a viatura de polícia infelizmente não tinha GPS, que justo essa que estava aqui em Jundiaí, nesse dia, nesse caso, não tinha GPS. É muito falho”. Para Wesley, “é um caso típico de desaparecimento forçado, tal como os resquícios da ditadura civil militar. Esse tipo de situação que já ‘comum’, não deveria mas é comum”.

Eduardo se sente frustrado com a situação e a falta de informações. “A gente não pode duvidar de nada. Como foi deixado bem claro, ele era o único negro que estava no meio. O resto era tudo branco, ele foi o único que foi colocado dentro de uma viatura e foi o único que sumiu. A gente não sabe o que aconteceu, se de repente ele foi confundido com alguém, se de repente ele foi pedido por alguém, a gente não sabe, infelizmente ninguém tem coragem de dar a cara e falar 'eu vi, pegaram ele, puseram dentro da viatura, levaram ele e sumiram com menino'. Ninguém tem coragem de ir lá e falar porque todo mundo tem medo dos policiais, infelizmente é o que acontece”.

Em março a família sentiu a dor aumentar, foi o aniversário de 21 anos do rapaz. Com a ajuda do pai, Carlos tinha planos de terminar os estudos e entrar em uma faculdade. Ele ainda não sabia a carreira que escolheria, mas contava com o apoio de Eduardo. “Eu falava para ele, ‘filho, termina seus estudos então que como o pai trabalha numa faculdade, o pai consegue bolsa para você’, aí aconteceu o que aconteceu. A gente tá nessa situação, não tem resposta nenhuma”.

Quase um ano de desaparecimento

O andamento das investigações

Eduardo não imaginava que existia um número tão grande de pessoas desaparecidas no país. Desde o sumiço do filho, ele entrou em grupos sobre o assunto nas redes sociais. “Tá todo mundo sumido, não tem explicação do sumiço das pessoas. É como se de repente abrisse um buraco, jogasse dentro e você não sabe onde foi parar essa pessoa. Infelizmente a justiça do nosso país é lenta, demora muito para começar a investigar um caso. Quando vai investigar o caso, já aconteceu coisa pior”.

O caso de Cadu conta com uma peça chave: as testemunhas. “O testemunho é vital para as investigações e para o processo penal”, conta o advogado da família, Wesley Portugal. “A única prova que se tem até então dessa abordagem é simplesmente a palavra das pessoas que viram. Não tem filmagem, não tem nada. Para que se inicie um processo, uma das condições da ação penal é a justamente o que a gente chama de justa causa, é de fato uma justa causa para o estado perseguir alguém. Para isso é preciso que tenha, no mínimo, indícios de autoria e materialidade”.

Foto: Reprodução do arquivo pessoal da família.

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